A vida não é bem lá essa aventura toda

Amanheci ouvindo o episódio da semana de um dos meus podcasts favoritos. O tema é Culto a Rotina e, entre diversas coisas, falava de como ter uma plano mais ou menos organizado da vida/da semana/das ações funciona como uma espécie de boia de segurança em tempos de tanta loucura, agilidade e incertezas. Super vale a pena ouvir, mas este não é exatamente o centro do meu papo hoje.

Ainda na “fase das conexões”, lembrei de um livro que estou lendo. Uma auto ficção escrita pelo meu orientador de doutorado sobre a memória e como ele, de uma maneira meio mágica/meio inexplicável, retorna como uma visitante/invasor às suas memórias e revê eventos que lhe contaram ou que ele realmente viveu de um modo atualizado pela memória pelo jeito como interpretou esse registro ao longo dos anos.

Enfim… memória, rotina e coisas que levam um tempo pra fazerem sentido.

Eu devia ter uns 20, 21 anos e fui convidado para jantar na casa de um casal de amigos com o chefe regional da organização onde eu trabalhava. O cara era uma estrela, tinha feito coisas fantásticas e tinha acabado de chegar de uma viagem pela Europa Oriental.

Àquela idade eu também era uma bomba de energia. Também tinha recém-chegado de uma temporada trabalhando entre os ribeirinhos em Tabatinga, um extremo do Amazonas na divisa com Bolívia e Peru.

Sem saudosismo, mas com muito orgulho daquela fase da vida, eu tinha aquele vigor do começo da juventude quando a gente tem esperança demais, força demais, tempo sempre curto, mas nunca pouco pra encaixar mais coisa.

A noite foi ótima, mas eu falei uma coisa que guiou a pauta e que me veio na lembrança hoje:

“- Por mim, a vida pode ser pra sempre essa aventura.”

Esse homem, com 25-30 anos a mais que eu, me respondeu de cara:

“- Não será, Thiago, e você sabe que já não é.”

Lógico que a ideia de que eu estava vivendo uma das maiores jornadas da minha vida e que, na maior parte do tempo, era uma grande aventura pro meu livro de memórias não se apagou. Contudo, mais do que um balde de água fria aquela resposta me fez aterrissar e até baixar a minha bola pra entender que não há vida vivida sempre no auge.

Vinte anos depois estaria me vendo trancado em casa, com uma rotina super limitada e sem nem ao menos uma boa expectativa de que num curto espaço de tempo poderia voltar a circular na rua sem o medo de ser morto por um vírus.

Esse tal cara se chama Gilberto e especialmente desde a pandemia eu vou e volto nas suas palavras que hoje eu entendo como um conselho de um amigo mais maduro dizendo o óbvio para um jovem deslumbrado.

Eu continuo acreditando que a vida precisa de doses generosas de loucura, aventura e quebra de rotina. Até já tatuei uma frase célebre do meu cantor favorito sobre isso. Mesmo assim, viver também é encarar os dias cinzas, aqueles outros que a gente quase nem viu passar pois foi igual ao dia anterior, assim como os dias que tem cara de bigorna caindo em cima do vilão do Papa-Léguas… duros e certeiros.

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