É sobre segurar a marimba

Mas gente rica e coach (e publicitário) só presta pra test-drive de guilhotina, então vamos falar de Deleuze, Guattari e Rolnik.”

Sim, você não errado.

Não, essa frase não é minha.

Poderia integrar alguma frase engraçadinha (sqn) de um show de stand up comedy ruim, mas a sentença estava registrada em um projeto de pesquisa que, enquanto lida, foi recebida por uma generosa gargalhada partilhada por quase todos os presentes naquela reunião de grupo.

Quase todos porque em mim o efeito imediato foi o oposto.

Eu que até àquela altura do mestrado já tinha encarado o falecimento da minha mãe e mais de 1 ano de isolamento social por conta da pandemia de Covid-19, agora precisava encarar uma ordem de morte fantasiada de assédio fantasiada de piadinha prá deixar a redação de um documento acadêmico menos careta.

Tudo o que se passou nos 9 meses restantes meio que foi minando a minha expectativa boba de aprender em conjunto, colaborar e receber colaboração genuína e, finalmente, continuar no plano de seguir uma carreira na pesquisa.

De todas as memórias daquele período da pós-graduação esta talvez tenha sido a que eu mais comentei com amigos ou outras pessoas do círculo de trabalho e estudo. Falei tanto que aquilo calcificou a ponto de não doer mais.

Este ano completo 14 anos de formado em Publicidade com + 2 ou 3 anos de experiência na área sem nem mesmo ter alcançado o diploma. Foi com essa grana que vivi com dignidade e “paguei minha vida” por um bom tempo.

Nunca romantizei a profissão. Inclusive, encarei de muito perto vários pontos baixíssimos que só quem é da área vai decifrar e entender de imediato. Aprendi a dar ainda mais valor depois que me tornei professor de disciplina em curso de Publicidade. Aprendi a me orgulhar pela trajetória e morro de orgulho de vários colegas que já brilhavam desde a faculdade. Alguns grandes amigos.

Contrariando um protocolo, eu não emendei o mestrado com o doutorado. Em parte, porque precisei agarrar pelo chifre uma oportunidade de lidar com o ensino superior, uma experiência até aquele momento inédita pra mim. Em outra parte, a vida nunca obedece àquilo que a gente escreve no nosso planner. E, por último, eu não sei se estava disposto a cavucar uma ferida.

Entenda. Não tem a ver com uma frase ou o preconceito que alguém tem com alguma profissão. Eu também tenho os meus (ainda que nem sempre alardeie). Tinha a ver com uma lição preciosa de nossa musa Inês Brasil: TENK SEGURAR A MARIMBA

E a dica vale pra muitos outros contextos. A gente tem que se respeitar a ponto de aguentar, peitar se preciso, não ousar abrir mão se é uma coisa que a gente acredita. Acho que naquele momento eu não era esse Thiago todo que levantaria, bateria 3 palmas abertas e responderia metralhando palavras (que certamente viriam destemperadas).

Eu finalmente comecei o doutorado e segurar a marimba tem significado um monte de coisa. Parte dessas escolhas tem a ver com começar de novo e de um quase zero, um terreno que eu conheço pouquíssimo. Novos ares, novos contexto, outras regras, outros códigos.

Até aqui estou segurando a minha marimba e ninguém desejou a minha morte, pelo menos.

A vida não é bem lá essa aventura toda

Amanheci ouvindo o episódio da semana de um dos meus podcasts favoritos. O tema é Culto a Rotina e, entre diversas coisas, falava de como ter uma plano mais ou menos organizado da vida/da semana/das ações funciona como uma espécie de boia de segurança em tempos de tanta loucura, agilidade e incertezas. Super vale a pena ouvir, mas este não é exatamente o centro do meu papo hoje.

Ainda na “fase das conexões”, lembrei de um livro que estou lendo. Uma auto ficção escrita pelo meu orientador de doutorado sobre a memória e como ele, de uma maneira meio mágica/meio inexplicável, retorna como uma visitante/invasor às suas memórias e revê eventos que lhe contaram ou que ele realmente viveu de um modo atualizado pela memória pelo jeito como interpretou esse registro ao longo dos anos.

Enfim… memória, rotina e coisas que levam um tempo pra fazerem sentido.

Eu devia ter uns 20, 21 anos e fui convidado para jantar na casa de um casal de amigos com o chefe regional da organização onde eu trabalhava. O cara era uma estrela, tinha feito coisas fantásticas e tinha acabado de chegar de uma viagem pela Europa Oriental.

Àquela idade eu também era uma bomba de energia. Também tinha recém-chegado de uma temporada trabalhando entre os ribeirinhos em Tabatinga, um extremo do Amazonas na divisa com Bolívia e Peru.

Sem saudosismo, mas com muito orgulho daquela fase da vida, eu tinha aquele vigor do começo da juventude quando a gente tem esperança demais, força demais, tempo sempre curto, mas nunca pouco pra encaixar mais coisa.

A noite foi ótima, mas eu falei uma coisa que guiou a pauta e que me veio na lembrança hoje:

“- Por mim, a vida pode ser pra sempre essa aventura.”

Esse homem, com 25-30 anos a mais que eu, me respondeu de cara:

“- Não será, Thiago, e você sabe que já não é.”

Lógico que a ideia de que eu estava vivendo uma das maiores jornadas da minha vida e que, na maior parte do tempo, era uma grande aventura pro meu livro de memórias não se apagou. Contudo, mais do que um balde de água fria aquela resposta me fez aterrissar e até baixar a minha bola pra entender que não há vida vivida sempre no auge.

Vinte anos depois estaria me vendo trancado em casa, com uma rotina super limitada e sem nem ao menos uma boa expectativa de que num curto espaço de tempo poderia voltar a circular na rua sem o medo de ser morto por um vírus.

Esse tal cara se chama Gilberto e especialmente desde a pandemia eu vou e volto nas suas palavras que hoje eu entendo como um conselho de um amigo mais maduro dizendo o óbvio para um jovem deslumbrado.

Eu continuo acreditando que a vida precisa de doses generosas de loucura, aventura e quebra de rotina. Até já tatuei uma frase célebre do meu cantor favorito sobre isso. Mesmo assim, viver também é encarar os dias cinzas, aqueles outros que a gente quase nem viu passar pois foi igual ao dia anterior, assim como os dias que tem cara de bigorna caindo em cima do vilão do Papa-Léguas… duros e certeiros.

Acostume-se com o caos

Um dos traços mais chatos que adquiri (ou se tornou mais evidente) com a ~maturidade~ foi a necessidade de paz e ordem pra atravessar os dias. Posso pôr a culpa, em parte, nesse ascendente em Virgem que, dizem, “vem pra frente” depois do 1º retorno de Saturno.

Eu nem fui sempre assim… quem me conhece sabe.

Começar o dia de um jeito e em um lugar e acabar quase em outra dimensão. Saudades, inclusive.

O caso é que agora tenho que viver brigando com minha mente quase calcificada de que preciso pegar leve e ser mais adaptável.

Vamos para os exemplos da vida. Só prá ilustrar.

Há 3 semanas tá rolando uma obra non-stop no condomínio vizinho. Diariamente, 8-9h de britadeira quebrando o piso de uma quadra. EN-LOU-QUE-CE-DOR. Vivo fazendo planos de trocar o turno de trabalho do dia pela noite pra ver se o silêncio me deixa menos à flor da pele.

Dizem que isso se chama a vida do morador paulistano comum.: britadeira, buzina e sirene.

Hoje poderia ser apenas a minha primeira aula de uma disciplina super ‘intensa’ do doutorado. Tinha ensaiado acender até um incenso de manga no escritório prá assistir a palestra e ler o material. Não rolou.

Fui acordado por meu pai que saiu de casa e esqueceu a chave dentro. 9km de distância e 50 min de trânsito caótico no primeiro dia de outono (ainda que em Salvador seja sempre Verão, mas a gente se ilude). Na tarde do mesmo dia outra parente cai de cara numa calçada de Brotas… rebobina que lá vou eu de novo.

A dificuldade com o inesperado, especialmente quando ele conduz ao caos, só foi potencializada nos últimos tempos e tenho a impressão de que estou insuportável.

Paradoxalmente eu me mijo de rir e zombo de qualquer coach de tempo e produtividade.

Pelo menos na minha experiência com essa espécie, são pessoas que podem até falar muito bem sobre jogo de cintura, mas dão o triplo de chilique quando as coisas não saem bonitas como as apresentações do Keynote.

Hoje vou aproveitar o incenso que não acendi e orar pra ter o espírito da Disaster Girl.

Tá tranquilo. Tá favorável.

Desculpa, vou defender a mediocridade hoje

Faltando pouco pro fim de fevereiro concluí a primeira leitura do ano: Viver é melhor sem ter que ser o melhor, do psiquiatra Daniel Barros.

A coisa bem estranha é que logo nas primeiras páginas o cara faz uma defesa da mediocridade, um dos termos que mais tenho combatido nos últimos e raros post aqui desse espacinho de divagação. Mas o sentido pra expressão foge do que é mais facilmente reconhecido e se volta pro Arcadismo, um movimento literário europeu dos séc XVIII.

Na onda de livros que criticam a alta velocidade da contemporaneidade e a pressa por uma vida que a gente nem entende direito como que passa, o livro recupera em 4 ou 5 princípios explorados pelos autores árcades dicas para uma vida menos atribulada e mais reflexiva.

O primeiro princípio citado tem a ver com aurea mediocritas, ou a mediocridade de ouro. Fala de um meio-termo justo e que ao invés de gente fazer um contorcionismo mental pra acreditar que só existe valor no topo aceitar este lugar da média. O autor até usa ao mito de Dédalo (mitologia tá ali no coração do arcadismo), aquele que colou e costurou asas nele e no filho pra fugir da prisão mas o herdeiro – Ícaro – se encantou com o brilho do sol, voou mais alto do que podia e despencou queimado.

Eu confesso que pensar numa vida “na média” me assusta um monte, mas passei a me questionar se não caí nesse golpe da vida que só existe se for vitoriosa e encarada sempre do cume.

Na sequência Daniel lista alguns outros princípios pensando em como viver de boa. Inutilia truncat, super dica pros dias de hoje. É aquela máxima de se ater ao essencial e como o supérfluo ocupa espaço, pesa e atrasa o lado.

Também vem do arcadismo a ideia do fugere urbem e do locus amoenus, sendo que o tal “fugir da cidade” não precisa ser físico e que o “lugar ameno” começa dentro da nossa cabecinha… basta desacelerar. A receita eu ainda não sei, mas na teoria é issaí.

O princípio que fecha o livrinho tá em tudo o que é legenda por aí: Carpe Diem. A leitura que o psiquiatra faz é bem mais profunda do que simplesmente Aproveite o dia, e foge do hedonismo. Ele vai lá no original de Horácio e recupera a ideia de que o tempo está escorrendo, a relação com a mortalidade (memento mori) e da anestesia que a velocidade provoca.  O tal Carpe Diem fala de processos conscientes de tirar proveito do tempo. Isso tem a ver também como lidar melhor com o prazer porque quando ele entra nosso acelerador é mais ativo que o freio, rs.

Não me considero uma pessoa ansiosa ou agoniada. Na verdade, até a quantidade de gente (conhecida ou não) que passou a incorporar modos de vida atravessados pelos transtornos de ansiedade me deixa meio alerta sobre como lido com minha própria rotina. De qualquer forma, achei nesse livro defensor dessa temida palavra um puxão de orelha e um conselho sobre ajustes de rota que preciso fazer.

Se der, investiguem o Arcadismo.

Velhos amigos importam

Fim #EuVi

Eu maratonei os 10 episódios de Fim (Globoplay, 2023) em 2 ou 3 dias.

Lembro de ter lido o livro há 8-10 anos, mais ou menos perto do lançamento. Mesmo tendo alguma lembrança da história apresentada lá no romance, a experiência audiovisual me bateu diferente. Especialmente porque esse tempo que separa o livro da série também marca uma mudança na versão Thiago pós-40.

E é isso, minha gente… tempo. Talvez o protagonista da história escrita pela Fernanda Torres.

Ele é a costura das amizades, dos casamentos, das mortes, dos começos, finais…

Só pra contextualizar pra quem não faz ideia de que história é essa, “Fim” é uma história de 5 amigos ao longo de 5 décadas, a partir do meio dos anos 70. Além de Ciro, Neto, Silvio, Ribeiro e Álvaro – os personagens que encabeçam 5 capítulos centrais do livro/série – a gente conhece as parceiras, os filhos e o padre que reza o velório de (quase todos). Apesar de muito amigos, esses caras têm personalidades bem distintas sendo os extremos Neto, o marido fiel e apaixonado e homem que jamais foge da linha básica da vida, e Silvio, hedonista e bomba-relógio.

A narrativa matrix brinca com a linha do tempo e no mesmo episódio os personagens podem aparecer muito jovens e viçosos cantando João Gilberto, cabeludos e coloridos dançando Donna Summer nas ~discotecas~ ou com muitas rugas e manchas na pele caminhando vagarosamente de bengala por Copacabana. Então é isso… amizade, tempo passando, começos, meios e fins.

Desta vez pensei bastante nos meus amigos de adolescência, especialmente aquele que andam comigo até hoje. Nada como comparar os efeitos do tempo (em toda sua amplidão) tomando as nossas relações mais longas. Lembrei que outro dia postei (ou desabafei e deixei guardado num rascunho) sobre um papo besta de “relacionamentos de baixa manutenção” e outra febre que é confessar ter bateria social baixa (que depois da pandemia parece que a de todo mundo é desses tipo baratinha que tem logo q trocar).

A questão do efeito do tempo no nosso corpo também foi uma coisa que me fez pensar bastante depois da série. Eu tenho pensado nisso mais do que nunca e, desta vez, agido também para remediar já que cuidado não é uma palavra muito comum no vocabulário do xóvem (sem juízo. #freesoul). O Viagra, os exames, as doenças da velhice, a narrativa que parece um carrapato quando você ultrapassa determinada faixa etária. E por baixo – ou por cima – ainda tem nossa subjetividade, a história que fazemos e que não tem pausa, os gostos, os desejos. (ngm vai entender o que vc tá dizendo, Thiago! Chega de escrever.)

Não sei se é spoiler revelar uma estrutura de roteiro, mas a série inverte a ordem do livro contando as mortes por ordem cronológica. Logo, assisti ao 10º episódio (que espelha o 1º capítulo) quase chorando.

Eu juro! Juro! Vou tentar parar falar de tempo em 2024.

Fim

E falando sobre verdadeiros reviews de coisas que vi/li, tô tentando ser mais sintético e preferindo o Instagram, tudo nos stories mesmo. Falei de Cangaço Novo, outras séries Globoplay (Os Outros, A Vida Pela Frente), de filme, de livro…

Fique na sua

Sobre a lei do retorno e a esperança

Quem me segue por aí sabe que nas últimas semanas volta e meia eu estava falando sobre karma, lei da semeadura e justiça. Eu realmente acredito que as ações causam reações. Assim como não acredito que de uma mesma fonte saia o doce e o amargo.

Me agarrei nessa fé na lei do retorno prá tentar sossegar minha mente depois de ser vítima de uma cachorrada, dessas rasteiras que não dá pra contar sem antes largar uns 1.000.000,00 adjetivos desgraçados. Não sosseguei, mas continuo esperando que a justiça não demore (pensando bem friamente, a pessoa que me sacaneou já vive uma vida tão miserável de perturbação mental e falta de amor que de algum jeito já tá vindo aí, rs).

Mas a questão da justiça é uma coisa que me pega demais. De quebra ainda nasci libriano prá potencializar minha incapacidade de lidar com desequilíbrio.

Eu fico bem puto com esse sentimento de que só tem gente suja ganhando. O mundo é injusto. Tá cheio de gente leviana por aí. Mas não perco a esperança de que vai chegar a hora

amizade é isso mesmo?

qdo pensou que não… falei

No lugar onde não há empatia só resta violência ou indiferença.

Minha cabeça estava fervilhando de frases que encuquei, mas não falei. É muito comum para nós librianos.

Eu, bem eu, sempre prefiro os silêncios. E quando me arrisco a externar tendo a me arrepender depois. Tirando as vezes em que dá para cancelar a mensagem antes que leiam o que me dá uma estranha sensação de que tava na ponta da língua, mas engoli seco. Nunca se realizou.

Acontece que às vezes não dá pra apagar. A gente fala e talvez até transborda e é aí que entra a frase do começo do texto e que me inspirou nessa divagação-profundidade de pires.

Sendo prático e dando exemplo, rolou de ser julgado por diversas vezes de “concha”, de me expressar pouco, reagir discretamente, argumentar quase nunca… manter a fleuma.

Em partes, isso vem de um esforço consciente nos últimos anos de escolher (na medida que minha humanidade permite) aquilo que vai me deixar afetar. Trabalho, por exemplo, é algo que eu dou cada vez menos ousadia para bagunçar meu coreto.

Sou millenial. Cresci e me desenvolvi num contexto em que trabalho é rotina, subordinação e é um campo da vida em que o prazer nele é acidental, não mandatório. Expressar o sentimento com relação ao trabalho é coisa de Gen Z, rs.

Todavia, tempo atrás fiz a merda (sim, o arrependimento bate na hora) de “sair da concha” (nas palavras dos outros já que eu nunca me coloquei lá) e “abrir o jogo”. Falei, me expressei, quase chorei se ainda tivesse esse gene.

A resposta não foi empática. Por ordem de eliminação sobraria indiferença e violência. Considerando que não fui eu que pedi prá falar nada, uma resposta indiferente pode até ser agrupada à violência construindo um megazord do paunucuzismo. Pois bem. Foi esse combo aí com molho extra de “- Né nada disso que você tá pensando. Cê tá loko. Engole o choro.”

Por empatia não quero dizer gente dançando ciranda sorrindo no cenário de meio do céu de A Viagem. Não falei nem em amizade ou amor ou outras coisas que a gente guarda pra vivenciar com os íntimos. Pra ser empático basta se colocar no lugar do outro ali na hora, compartilhar um tiquinho da mesma humanidade e pronto… não dói nem custa dinheiro.

Em conversas com íntimos fui repensar meu track record de concha e descobri (ou fui lembrado) que falar (HABLAR) não é tudo. Tenho a habilidade de comunicar meu mood com minha expressão, minha energia e minha ironia. OU SEJE, mesmo que eu não queira de algum jeito vai vazar. Merda!

Esse textão não me ajudou em nada.